23 de dez. de 2007

O Bom Combate, de Masaharu Taniguchi*

"O homem nunca pode parar de sonhar; o sonho é o alimento da alma, como a comida é alimento corpo. Muitas vêzes em nossa existência, vemos nossos sonhos desfeitos e nossos desejos frustrados, mas é preciso continuar sonhando, senão nossa alma morre. Temos então que travar o bom combate.

O bom combate é aquele que é travado porque nosso coração pede.

O bom combate é aquele que é travado em nome dos nossos sonhos.

Quando eles explodem em nós com todo o seu vigor - na juventude - nós temos muita coragem, mas ainda não aprendemos a lutar. Depois de muito esforço, terminamos aprendendo a lutar e então não temos a mesma coragem pra combater; por causa disso, nos voltamos contra nós e combatemos a nós mesmos, passamos a ser nosso pior inimigo. Dizemos que nossos sonhos eram infantis, difíceis de realizar ou fruto de nosso desconhecimento das verdades da vida. Matamos nossos sonhos porque temos medo de combater o bom combate.

O primeiro sintoma de que estamos matando nossos sonhos é a falta de tempo. As pessoas mais ocupadas que conhecemos na vida sempre têm tempo pra tudo. As que nada fazem estão sempre cansadas, não dão conta do pouco trabalho que precisam realizar e se queixam de que o dia é curto demais; na verdade, elas têm medo de combater o bom combate.

O segundo sintoma da morte dos nossos sonhos são nossas certezas. Porque não queremos aceitar a vida como uma grande aventura a ser vivida, passamos a nos julgar sábios, justos e corretos no pouco que pedimos da existência e acabamos por não travar o bom combate; assim nunca conhecemos a derrota, tampouco a vitória.

Finalmente, o terceiro sintoma da morte dos nossos sonhos é a paz. A vida passa a ser uma tarde de domingo, sem nos pedir grandes coisas e sem exigir mais do que queremos dar. Achamos então que estamos maduros, deixando de lado as fantasias da infância e conseguimos nossa realização pessoal e profissional. Mas na verdade, sabemos que o que aconteceu foi que renunciamos à luta pelos nossos sonhos ao invés de combater o bom combate.

Quando renunciamos aos nossos sonhos e encontramos a paz, temos um pequeno período de tranquilidade. Mas os sonhos mortos começam a apodrecer dentro de nós e infestar todo o ambiente em que vivemos. Começamos a nos tornar cruéis com aqueles que nos amam e finalmente passamos a dirigir essa crueldade contra nós mesmos, e surgem as doenças. O que queríamos evitar no combate - a decepção e a derrota - passa a ser o único legado de nossa covardia.

E, um belo dia, os sonhos mortos e apodrecidos torna o ar difícil de respirar e passamos a desejar a morte, que nos livra de nossas certezas, de nossas ocupações e daquela terrível paz das tardes de domingo."

*Religioso japonês fundador da igreja Seicho-No-Ie.

5 de dez. de 2007

Direto do Limbo...

Meus caros amigos:

Uma viagem não planejada me colocou distante de computadores e internet, de modo que devo estar ausente da blogosfera por alguns dias. Não me esqueci de vocês e de meus compromissos, apenas peço um pouco mais de paciência.

Devo voltar agora, ou eles vão desconfiar!

Até a volta ao Mundo dos Vivos...

23 de nov. de 2007

A uma taça feita de um crânio humano (1808)

De lorde Byron
Tradução de Castro Alves


Não recues! De mim não foi-se o espírito...
Em mim verás - pobre caveira fria -
Único crânio que, ao invés dos vivos,
Só derrama alegria.

Vivi! amei! bebi qual tu: Na morte
Arrancaram da terra os ossos meus.
Não me insultes! empina-me!... que a larva
Tem beijos mais sombrios do que os teus.

Mais val guardar o sumo da parreira
Do que ao verme do chão ser pasto vil;
-Taça - levar dos Deuses a bebida,
Que o pasto do reptil.

Que este vaso, onde o espírito brilhava,
Vá nos outros o espírito acender.
Ai! Quando um crânio já não tem mais cérebro
... Podeis de vinho o encher!

Bebe, enquanto inda é tempo! Uma outra raça,
Quando tu e os teus fordes nos fossos,
Pode do abraço te livrar da terra,
E ébria folgando profanar teus ossos.

E por que não? Se no correr da vida
Tanto mal, tanta dor ai repousa?
É bom fugindo à podridão do lodo
Servir na morte enfim p'ra alguma coisa!...

14 de nov. de 2007

Um Monólogo Stevensoniano*

— O que você está fazendo?
Escrevendo.
— Sobre o que?
A única coisa que sei: minhas dúvidas.
— E por que alguém se interessaria em ler isso?
Essa é uma delas...
— Não tem medo que percebam que tipo de doente mental você é?
Me surpreende que ninguém tenha percebido ainda!
— Mas se está claro que você é um psicótico maníaco-depressivo...!
Hoje em dia se diz "transtorno bipolar de humor".
— Persiste a dificuldade em saber por que faz isso...
"...uns estão despertos nas trevas, outros são sonâmbulos na luz."
— Como é?!
Gibran Kalil Gibran. Foi ele quem disse.
— E o que isso significa?
Não sei, gosto da frase.
— ...
...
— Se até agora você passou apenas por questionador confuso, esse diálogo pode pôr sérias dúvidas sobre sua sanidade mental no juízo dos leitores.
Juízo? Palavra interessante de se usar!
— Você me entendeu...
Sim, entendi.
— E então?
De que adiantaria fingir normalidade? Quanto tempo poderia enganar alguém?
— Não tem se enganado esse tempo todo?
Caralho!
— Não baixe o nível, por favor!
Concordo, me desculpe. Onde estávamos?
— Estamos justificando o elogio de Erasmus de Rotterdam à loucura.
Evidente exagero, este é apenas um diálogo sem rumo.
— Característica principal de suas ações e pensamentos, diga-se...
Bem, que rumo você propõe que tenham? Se nem mesmo a própria vida tem rumo? Se, aliás, nem existe tal coisa de "vida"?
— Nietzsche falando...
Ou Buddha.
— Ou isso.
Isso.
— Insiste em continuar?
Veja, tenho que apresentar alguma coisa...
— Por que?
Por que? É uma excelente pergunta!
— Obrigado! E a resposta?
Não estou bem certo; se você percorrer estes seis meses que exponho aqui, vai notar que não havia um objetivo definido desde o início. Por que haveria de existir um agora?
— É, boa resposta.
Acha mesmo?! Ora, obrigado.
— Não tem de que; de qualquer forma, continuamos (me atrevo a incluir os leitores na minha dúvida) sem entender por que se expor assim.
E por que não? Já pensou na possibilidade de eu não ter outra coisa para mostrar (ou fazer)?
— Então é apenas isso? Um mero passatempo?
Na verdade não. Esquece que faço parte de uma comunidade de autores, que eu também leio, além de escrever?
— É verdade. Então é disso que se trata, retribuição?
De certa forma, sim. Pelo menos em parte...
— Voltamos ao início...
Não volta tudo?
— Então é assim que vamos concluir?
Isso não é a conclusão, é só o começo...
— Começo? De que?
Está querendo saber demais...


* De Robert Louis Stevenson, escritor inglês autor de "Strange case of Dr. Jekill and Mr. Hyde".

10 de nov. de 2007

Uma estranha indicação (de um sujeito estranho)


Já há algum tempo (18/10), tive a grata surpresa de ser indicado para o prêmio Este blog vale a pena conferir, pelo Danilo Moreira do blog Em Linhas..., ele mesmo indicado com toda a justiça; então me toca indicar cinco outros blogs merecedores do selo.

E aqui começam minhas dificuldades, e por uma maldita questão de "lógica"!

Minha Mesa de Cabeceira conta atualmente com 18 blogs favoritos; na minha opinião, todos são de visita obrigatória, pelos mais diferentes motivos. Como, então, selecionar cinco entre eles?
Eu venho tentando encontrar um critério para resolver esse meu impasse; não consegui. E não quis simplesmente sortear cinco nomes, afinal isso não é loteria.
Enfim, depois de muito pensar e considerar que o importante nessa premiação é a qualidade dos blogs indicados e não o seu número, decidi que quebrar as regras implícitas destas indicações seria menos penoso para o meu caráter obsessivo do que segui-las à risca.

Portanto:


Bruno, por Acepipes Escritos - Jota, por Brinquedo Barato - Rob Gordon, por Championship Chronicles e Championship Vinyl - Richard, por Chá Laranja - Arthurius Maximus, por Contos Ancestrais - B., por Devaneios & Loucuras - Paulo Borges, por DHARANA FLUXX - Carlos Qualquer Coisa, por Domador de Quimeras - Danilo Moreira, por Em Linhas... - Foxx, por Espartanos e Estórias do Mundo - Juba, por Idéias Enroladas - Johnny, por Legenda Urbana - Cretina Supahstah, por Luz Vermelha - Lanark, por Maçã Podre - Fernanda Passos, por Poesia na Veia e Prosa na Veia...

... eu os indico todos.



Aí está; espero não ter feito bobagem, ainda que não conte com isso...

6 de nov. de 2007

Legenda Urbana - Ano I

Uma foto ilustrando uma observação, uma resenha inteligente e bem escrita, ora irônica, ora indignada sobre os mais diversos temas. E uma legenda amarela atravessando o alto da tela, proclamando a liberdade de expressão (até mesmo em relação ao próprio autor, às vezes...). Assim é o blog do Johnny, que dia 27/10 completou seu primeiro aniversário.

Suas ótimas crônicas ilustradas são um testemunho fiel do seu talento: me parece que ele é capaz de escrever igualmente bem sobre qualquer assunto, que seleciona com o olhar certeiro do bom jornalista, o que mostra quanto a Comunicação Social perdeu para a blogosfera. É bem verdade que com isso ele perde as vantagens da profissionalização (leia-se rendimentos!), no que não está, acredito, sozinho: qual de nós, blogueiros, não gostaria de ter todo o tempo disponível e ainda ser pago para fazer aquilo que gostamos, escrever o que nos der na telha? Seja como for, ele tem conseguido conciliar suas atividades no mundo real com seus interesses na grande rede, o que espero que continue a acontecer por muito, muito tempo (e, quem sabe, aproximando-as cada vez mais, por que não?).

Como se isso não bastasse para fazer do Legenda Urbana um de meus blogs mais queridos, foi com ele que eu descobri a face inteligente e talentosa da blogosfera e acabei por querer integrá-la com meus escritos erráticos, de modo que comemoro seu aniversário como se fosse o do meu próprio!

Parabéns, Johnny (e legenda, claro)!


Do Ronan, seu fã de carteirinha.

2 de nov. de 2007

vade_retro.doc





Será que algum de vocês não poderia me indicar um exorcista digital?

Meu micro só pode estar endemoninhado...

31 de out. de 2007

"Travessuras ou Gostosuras" (em tempo!)

Como um general romano, Arthurius Maximus comanda uma legião de quatro blogs, dos quais eu me tornei leitor assíduo do Contos Ancestrais (desculpe por essa, espero corrigir a falha o quanto antes), dedicado aos seus ótimos textos de terror e mistério.
Em comemoração ao seu primeiro aniversário, ele organizou um concurso em que vários leitores colaboraram com contos ou postagens sobre o blog e, para minha honra e felicidade, o meu conto foi considerado vencedor; foi minha primeira colaboração em outro blog, além de minha primeira participação com um texto em um concurso, ou seja, uma tripla alegria!

O prêmio é um mp3 player, que me põe um pouco mais perto dessa modernidade que tanto me confunde (exagero: a verdade é que estou me divertindo como criança com brinquedo novo!).

Quero convidá-los a visitar os Contos Ancestrais, se já não o fazem, para conferirem os ótimos contos dos participantes do concurso, que mostram grande criatividade e talento. Além, é claro, os textos do autor neste e em seus outros blogs, a quem eu agradeço pela gentileza e desejo felicidades e sucesso crescente.

28 de out. de 2007

Aleluia


Quando o Paraíso ameaça nos devorar,

o Inferno nos redime.



Graças a J. Milton, E. A. Poe e Charles Baudelaire.

Buraco Negro

Mais de uma semana sem Internet (conexão discada gratuita em casa, a única confiável). Quase uma quinzena sem meus paraísos artificiais (o único momento em que confio em minha mente). Nem mesmo uma linha escrita nesse tempo todo...

Vácuo. Como o da mente de Zaratustra Jr., atualmente. Amnésia total. Gnoseológica.

Rogo por vossa paciência. Como Marcel Proust, estou em busca do tempo perdido...





Trilha sonora: "Careful with that axe, Eugene", Pink Floyd.

16 de out. de 2007

De muros e camisas-de-força

"Filosofar a golpes de machete pode ser muito perigoso!"

Assim pensava Zaratustra Jr. enquanto observava os loucos passearem no ensolarado pátio do hospício. Ele está aqui para solucionar o dilema que sua "missão", como ele a chamava, havia criado.

Em sua caminhada, havia observado as pessoas. Muitas delas lutavam pela vida, uns com maior dificuldade que outros, mas todos lutavam; ouvia suas queixas, testemunhava suas alegrias, tentava entender seus motivos. E percebia que além desses muitos, havia uns poucos que apenas gozavam a vida; estes poucos de modo algum lutavam, pois descobriram o modo de usufruir de benefícios que não estavam à disposição de todos. Faziam isso explorando as outras pessoas.

Zaratustra Jr. observou os muitos e os poucos. E os chamou de loucos.

As pessoas ouviram Zaratustra Jr. bradar contra a loucura do mundo. E ficaram perplexas: como alguém ainda podia ser ingênuo a ponto de sonhar que a realidade poderia ser modificada com meras palavras? Acaso seria aquela figura esquisita e barulhenta mais capaz de organizar a vida e a sociedade do que todos eles juntos? Acaso teria todas as respostas, conheceria mesmo todas as dúvidas que a própria humanidade ainda estava catalogando? Acaso se achava um super-homem?

As pessoas ouviam suas palavras arrevesadas. E o chamaram de louco.

E agora, quem é o louco, afinal?

O que é ser louco?

Aqui, pois, está Zaratustra Jr., apartado da grande sociedade humana, confinado entre os ditos alienados, tentando definir a sanidade pela loucura, sob o martelo dos deuses...

11 de out. de 2007

Nietzscheando

Ele foi visto pela primeira vez caminhando na estrada, seguindo a linha dos canaviais sob o sol escaldante. Vinha seguido por um grupo de cães vadios e um enxame de gafanhotos; não carregava um bastão de peregrino, nem uma trouxa na ponta de uma vara, nem mesmo um mísero mp3 player.

Zaratustra Jr. havia tomado uma cerveja a mais e ficara sem dinheiro para o ônibus. Oh, dura vida dos profetas...

Não encontrara ninguém a pé no caminho a quem pudesse falar da sabedoria das idades e que lhe oferecesse um cigarro; os carros e caminhões que passavam por ele só tinham palavras rudes para a sua pessoa e a de sua mãe. Mas ele soube responder à altura as provocações do mundo, e felizmente ninguém se deu ao trabalho de voltar para tomar satisfações: ele tinha a língua afiada dos que viram a realidade por trás do véu e tinha o estômago embrulhado de acordo...
Chegado à pequena cidade, olhou ao redor e assim falou Zaratustra Jr.:

"- Mas que lugarzinho de merda! Bom, quem não tem cão..."

Procurou a companhia das mulheres e foi rejeitado com um misto de ridículo e pena. Não era a primeira vez.
Tentou então pregar aos homens, numa tentativa de afastá-los das trevas que os encobriam e cegavam; parou quando eles começavam a arregaçar as mangas e recolher pedras e paus nas ruas. Pensou mesmo ter visto um machete de cortar cana, mas não ficou para averiguar. Seu caminhar o levou a uma praça vazia, onde ficou vagabundeando, cercado por novos cães vadios, enfim livre dos gafanhotos; estes foram substituídos pelas moscas.

Ali ficou por três dias, em retiro. Não lhe deram um único cigarro, os miseráveis!

Vendo que nada adiantava, resolveu cair na real e ir para casa. Ali fumou, foi ao banheiro e reconheceu a enormidade da tarefa que se lhe impunha: a divulgação da visão que lhe fora revelada e a exposição das falácias da vida pós-moderna, custasse o que custasse.

Suas a partir de então lendárias dores de cabeça começavam naquele momento...

7 de out. de 2007

O mito da caverna revisitado

Teias de aranhas pelos cantos, rolos de poeira ao pé dos poucos móveis. A porta trancada e a janela sempre fechada, numa tentativa frustrada de manter afastados o mundo no geral, e a vizinhança, no particular. No castelo desta casa, esse cômodo cumpre uma dupla e contraditória função: são as ameias de onde se vigia o exterior e de onde partem os ataques retaliatórios, dos quais este mundo certamente não chega a tomar conhecimento; e é a masmorra onde se trava uma luta diária com a loucura, enquanto se lançam olhares invejosos para a vida que se agita lá fora.

Este lugar é o meu quarto, ao mesmo tempo uma toca e uma jaula. Eu "vivo" aqui.

Como uma árvore que cresce num local inadequado, fixo minhas raízes neste espaço insuficiente com a tenacidade das coisas que não querem abandonar a existência por difícil que ela seja (uma vez perturbado o repouso do não-ser, uma vida vai cobrar uma força gigantesca para retornar ao estado inercial anterior).
Exagero: lendo isso, passo a impressão que eu jamais saio daqui, o que não corresponde aos fatos: eu me exponho, com certa freqüência, aos níveis sempre crescentes de raios ultravioleta do sol e à convivência cada vez mais decepcionante das pessoas.
Além do mais, meus venenos prediletos, o álcool e o tabaco, e minha mais antiga paixão, os livros, insistem em não vir de moto próprio às minhas mãos...

Então, eu tenho de sair.

Ainda que esta venha sendo a rotina de uma vida, até hoje não saberia dizer se me custa maior esforço sair deste cubículo ou voltar a ele: quando saio, é a segurança da fortaleza que abandono; quando volto, são as portas do cárcere que me recebem. Na noite do meu céu resplandece a Lua Negra: quero o que não tenho, tenho o que não quero, não faço o que gosto e não gosto do que faço.

Não, sim.
Sim, não.
Não, sim.
Sim. Não.

Não sei. Apenas, talvez, expanda minha confusão para essas paredes, ancore minha mente no espaço confinado por elas; sem limites a consciência não pode existir...
Eu vivi quase toda minha vida num espaço assim, em outro lugar, outra casa; aquelas paredes chegaram a fazer parte de mim, como o chão faz parte das raízes que sustenta, como foram cenário de paralisia e decadência. Já agora vão anos foram postas abaixo, não existem mais, outras foram erguidas em seu lugar. Parte de mim, para bem, para mal, deixou de existir com elas. Uma árvore transplantada. Raízes cortadas, regenerando-se lentamente. Esperando a lâmina do machado, entre quatro novas paredes.
Uma nova fortaleza. Uma nova masmorra.

Que venha...

4 de out. de 2007

Contos da Chuva de Primavera



" quantos dias a chuva de primavera chegou? Que agradável e calmo está! Peguei meu pincel favorito e tinta, mas ainda que eu ponderasse árdua e longamente, não pude pensar em nada para escrever. Simplesmente imitar os antigos romances é tarefa para o iniciante. Minhas próprias circunstâncias, no momento, pouco diferem das de um humilde guarda-matas: como poderia minha vida inspirar um conto? Relatos do passado - bem como do presente - seduziram a muitos; de fato, eu mesmo desavisado que tais histórias são mentiras, cheguei a desencaminhar outros por tê-las repetido. Mas que importa? Tais relatos continuarão a ser contados, e sempre haverá quem os honre como verdadeira História. Consciente disso, eu continuo a escrever meus contos, assim como a chuva de primavera continua a cair."

Introdução do livro "Harusame Monogatari" (Tales of the Spring Rain), de Ueda Akinari; tradução para o inglês de Barry Jackman.

28 de set. de 2007

Morte de um Mísero

Ficamos nos olhando, eu paralisado pelo choque, ele como se eu fosse uma miragem.
Quis perguntar o que lhe aconteceu mas as palavras não saíram, e naquele momento pouco importava como ou porque as coisas tinham se passado; aquele andarilho caído ao lado da estrada, coberto de poeira e sangue estava morrendo, e não queria ficar sozinho com sua morte. Sem dizer palavra, fez um esforço para erguer a mão; pensei que poderia me complicar, até mesmo ser suspeito de assassinato; mesmo assim, num impulso eu a pequei. Estava suja de terra e mato, como se ele tivesse agarrado o chão numa tentativa de ancorar-se à sua vida miserável, o mais certo é que quisesse, como agora, companhia; pois a terra que ele apertara não devolvera o aperto de sua mão: ela lhe dera a existência e em breve o acolheria de volta, só não podia afastar a solidão que o envolvia, a urgência que se lia em seu rosto.
Eu olhava para ele incapaz de falar, subitamente consciente que poderia ter sido qualquer um a estar ali, mesmo eu, morrendo sozinho da mesma forma como havia vivido, sem como nem porque, inexistente para os outros, vazio de si mesmo; então o aperto de sua mão ficou mais forte, aqueles lábios inchados se entreabriram sem que som saísse deles. Seus olhos brilharam como super novas, e então se apagaram.
Assim acabava uma história, uma vida: com um ato de duvidosa solidariedade, um mundo de perguntas deixadas sem respostas, numa tarde de sol forte; olhando os poucos restos que ele deixava para trás, me lembrei de um quadro de Hieronymus Bosch em que um infeliz recebe a derradeira visita. Naquele momento, tive a sensação de ter vindo aqui justamente para fazer as vezes da morte, tomar pela mão aquele pobre-diabo e retirá-lo da tela. E senti frio...

20 de set. de 2007

Pequeno Livro de Mentiras

"Escrevo apenas o que me dá na telha, sem preocupação de agradar."

"Para mim, a vida não passa de um jogo, cujo resultado pouco importa."

"Inveja, ciúme, despeito, avidez..., quanta bobagem! Não perco meu tempo com isso."

"Não ligo para o que pensam de mim. E sobre minha aparência, nem vou comentar!"

"Sempre quis ter um relacionamento amoroso sério, elas é que não quiseram nada comigo."

"Não tenho nada em comum com o povo deste país."

"Vivem me dizendo que sou muito inteligente, mas isso não me serviu para nada até hoje."

"Não sou uma pessoa emocional."

"De que adianta ter talento, quando ninguém se interessa por ele?"

"Sou muito crítico, mas é no interesse o melhor. De que adianta chamar a atenção para o que está certo?"

"Eu não pedi para nascer!"



Uma verdadeira enxurrada de banalidades.

Pequeno Livro de Verdades (Apócrifo)

"Se eu gosto do que crio, é entretenimento; se outros gostam, é obra de arte. E sempre sonhei em ser um artista."

"Eu simplesmente odeio perder."

"Apenas me rôo por dentro..."

"Sou displicente demais para cuidar de mim mesmo. Não é de hoje que sei disso, mas detesto pensar que outros também o saibam."

"Tenho medo de tentar, porque pode dar certo."

"Toda planta reflete o solo em que germinou."

"Vaidade das vaidades..."*

"E odeio com todas as forças de meu coração que o seja!"

"Ai, que preguiça...!"**

"Dois pesos, duas medidas; pois é mais fácil apontar os defeitos alheios e esperar o reconhecimento das próprias virtudes do que fazer o oposto."

"Não, eu exigi."



Pontos de vista são como as folhas das árvores, os grãos de areia do mar e as estrelas do espaço: por semelhantes que sejam, nem um único deles existe sem motivo.

* Bíblia Sagrada, Eclesiastes, capítulo 1, versículo 2;

** "Macunaíma", de Mário de Andrade.

15 de set. de 2007

Hypnophagia

"'Eu sei que aqueles que comem o sono se transformam em terra...' Ao ouvi-lo falar assim fiquei arrasado. Eu comia o meu sono e estava completamente arrasado. Não é preciso explicar. Eu comia o meu sono e sentia que pouco a pouco..."

("O Tamanduá", Miguel Angel Astúrias)


Doença ou dom de loucos, no bom e no mau sentido; se os antigos gregos consideravam a epilepsia como provocada pelo toque de um deus, a insônia seria a brincadeira aleatória do demônio, cujo passatempo predileto é atiçar a consciência, essa última e mais catastrófica maldição da existência humana.

Por que o reino das escuras águas primordiais barra-me a passagem quando me deito, apenas para fingir me admitir quando preciso ficar em pé? Será que por eu viver desafiando a barreira entre o sonho e a vigília, desde criança e então sempre, estou condenado a este jogo de gato e rato que se instalou em minha vida para ficar?

O torpor de poucas horas em que caio a cada amanhecer parece apenas complicar minha percepção da realidade, que brinca de esconde-esconde comigo, arrastando-me para o reino do Delírio e tornando cada passo dado um perigo concreto, desmanchando a solidez da vida num carnaval de gárgulas zombeteiras a me provocar com gestos ridículos e obscenos e a gritar meu nome no ouvido esquerdo, sempre no esquerdo, assim que o silêncio me envolve; a cobrir de dúvidas as certezas mais firmes, a transformar em certezas as dúvidas mais nebulosas...

Será essa insinuação de outras realidades emboscadas por trás da realidade desperta real? Será esse outro sentido que sussurra por trás do conhecido um sinal de verdades que a visão clara não capta, que ouvidos livres deste zumbido sub-reptício não apreendem? Terá mesmo a vida, o mundo, tudo, tantas faces assim?

Eu não sonho mais com o labirinto; apenas uma vez vez visitei o inferno de paredes e chão feito de carnes, ossos e vísceras vivas, sensíveis; nunca mais tomei aquele elevador que se move por todos os sentidos firmemente preso em ferragens de uma geometria absurda, nem visitei o corredor cheio de portas, cujos imensos espaços internos não condiziam com a proximidades de suas entradas; não mais caí de balaustradas de prédios ilimitadamente altos, nem voei por ruas impossíveis à noite...

Sou um sonâmbulo a caminhar num mundo real ou estarei desperto no mundo onírico de alguma outra vida adormecida?
Será esse estado intermediário resultado da falta de sono ou de algum outro de meus maus hábitos?
Estarei caminhando pela fronteira do mundo espiritual ou me escondendo do inelutável?
Afinal de contas, existirei de fato ou estou a sonhar acordado que sou?

Estou com sono. Assopro o sol e vou dormir, enquanto a lua não vem...



Inspirado no texto Insones, do Lanark (aí a direita, na Maça Podre, experimentem).

"O verme passeia, na lua cheia..."

12 de set. de 2007

Mais uma de novela

"Caminhos do Coração", da tv Record: minha mãe esperando para assistir CSI Miami, resmungando contra a novela esquisita. Fui conferir; em menos de vinte minutos, vi um bebê com poderes
tele e pirocinéticos como o Legião,
um super velocista como o Mercúrio, um telepata como o Professor X, um teleportador de dentes afiados como o Noturno e uma gritadora como o Banshee (personagens da série de quadrinhos/filmes X-Men)! Honestamente, não sei o que dizer a respeito disso; mas que é estranho ver a tv do bispo Edir mostrar numa novela mutantes com poderes especiais criados artificialmente em laboratório,
isso é!

Sinal dos tempos?

9 de set. de 2007

WEI CHI - ANTES DA CONCLUSÃO


ACIMA: LI, O ADERIR, FOGO
ABAIXO: K'AN, O ABISMAL, ÁGUA

JULGAMENTO

ANTES DA CONCLUSÃO. Sucesso.
Porém, se a pequena raposa,
quase ao completar a travessia,
deixa sua cauda cair na água,
nada será favorável.

IMAGEM

Fogo sobre a água: a imagem das condições ANTES DA CONCLUSÃO.
Assim, o homem superior é cauteloso ao diferenciar as coisas,
para que cada uma ocupe o lugar que lhe é próprio.

LINHAS

Seis na primeira posição significa:
Ele mergulha sua cauda na água.
Humilhante.

Nove na segunda posição significa:
Ele freia suas rodas.
A perseverança traz boa fortuna.

Seis na terceira posição significa:
Atacar antes da conclusão traz infortúnio.
É favorável cruzar a grande água.

Nove na quarta posição significa:
A perseverança traz boa fortuna.
O arrependimento desaparece.
Comoção, para castigar a terra do diabo.
Durante três anos grandes reinos serão dados como recompensa.

Seis na quinta posição significa:
A perseverança traz boa fortuna.
Nenhum arrependimento.
A luz do homem superior é verdadeira.
Boa fortuna.

Nove na sexta posição significa:
Bebe-se vinho em plena confiança.
Nenhuma culpa.
Mas se ele molha sua cabeça,
perderá essa confiança.



Do "I Ching, O Livro das Mutações", tradução e intepretação de Richard Wilhelm.

7 de set. de 2007

Agradecimentos especiais:

  • Johnny, excelente amigo e ex-colega de trabalho; seu blog, Legenda Urbana, me iniciou na blogosfera como leitor e comentarista, e me abriu as portas para um mundo fascinante;
  • Lanark, cuja amizade devo à Internet (e me ajudou a começar a superar o medo de contatos virtuais), também blogueiro com o Agnóstico Vagabundo; em nosso primeiro contato me perguntou se eu tinha um blog, o que me fez começar este caderno de notas;
  • A todos os talentosos autores que tenho conhecido desde então, cujos blogs tenho a honra (e em alguns casos espero vir a ter) de estarem na minha mesa de cabeceira;
  • Aos leitores, blogueiros ou não, que têm me dado o enorme prazer de suas visitas e pelos generosos comentários feitos aos meus rabiscos.

6 de set. de 2007

Agradecimentos:

  • Tim Berners-Lee, pela Internet;
  • Johann Gutemberg, pela imprensa;
  • O anônimo inventor do livro;
  • Toth, Fu-Hi, Odin, Sumé, etc..., pela escrita, onde tudo começou.

3 de set. de 2007

Encruzilhada

“Às vezes, você sonha com as estradas de Destino, e especula, sem propósito algum.
Sonha com os passos dados e com os que não deu.

(“Estação das Brumas”, Neil Gaiman)


Caminhava sem rumo como de costume, ruminando pensamentos soltos, do mesmo modo como tenho vivido. Nunca tive ocupação fixa, mas me considero um escritor, se não de fato pelo menos de direito; mas com um sorriso amargo, lembro o conselho tantas vezes dado pela minha família:

“— Por que não escreve sobre os seus fracassos? Pelo menos não vai passar fome, vai ter bastante papel para comer...”

Meu povo é simpático, não é mesmo? Já nem ligo mais, o que talvez seja um erro; enfim, inevitável, conquanto inútil, pensar na vida. Estou perigosamente perto dos quarenta, o que pode ter me tornado um tanto cínico: passei pela época da rebeldia sem causa, passei pelo socialismo, passei pela época do ateísmo (mas devo confessar, nunca pude acreditar no acaso determinista), poucos de meus heróis foram sacrificados a contento, no mais das vezes eles se acomodaram; e afinal, quem haveria de recriminá-los? A clássica maioria silenciosa? Acho que não.

Uma frase de Oscar Wilde sempre me faz rir sozinho: “Deus, ao criar o homem, superestimou Sua capacidade”; simplesmente perfeito! O que não significa que eu deteste meus semelhantes ou a mim mesmo, apenas sou um tanto cético a nosso respeito; afinal, o que é a história humana comparada com os 400 milhões de anos da estirpe da barata: seria tempo demais para uma inutilidade existir, não? Agora, quanto ao homo sapiens...
São pensamentos como este que me mantêm longe das camisas-de-força, tanto as do escritório quanto as do hospício; também me mantêm longe de uma existência decente, mas, afinal, não se pode ter tudo...
Frases demais para pouca história, melhor resumir
: longe de estar satisfeito com minha vida, sempre estive mais longe ainda de querer mudá-la; e desse modo cheguei à encruzilhada.

Não reconheci os arredores: um campo de capim baixo e poucas árvores retorcidas. Tentava entender como havia parado ali quando percebi vindo em minha direção, pelo braço da esquerda, uma figura bastante estranha. Passo rápido e curto, cabeça pendente e camisa abotoada até o queixo, livros e caixas de CDs atrapalhando ainda mais os movimentos desajeitados. Passou por mim com um olhar desconfiado e esquivo por cima da acne onde ainda pude ver, antes que ele desaparecesse, além do desgosto que minha visão certamente lhe causou, uma sutil perfídia embalsamada.

Aquele era eu mesmo. Ou teria sido, caso me tivesse tornado o nerd que nasci para ser.

Num lampejo de identificação, conheci os sentimentos daquele sujeito bizarro: vivia feliz como um pinto no lixo, mesmo sendo um mero farrapo de ser humano e saber disso; ainda assim, a criatura de cabelo escovado encontrou motivos para me desprezar... Talvez estivesse reagindo à avaliação que eu fazia do seu modo de vida: sempre me considerei afortunado por ter escapado da síndrome de gênio que me quiseram atribuir à época escolar (antes era considerado retardado, como os autistas eram então chamados; depois, apenas louco).

“— Pff! Difícil dizer qual de nós ficou mais constrangido em ver o outro...”

Ainda pensava no que fazer quando do caminho à direita surgiu outra figura, andando num passo de pantera bêbada. De novo, nenhum de nós se olhou diretamente nos olhos, com uma diferença: enquanto o nerd apenas evitava uma imagem que lhe era penosa, eu e este procurávamos subterfúgios para jogar a responsabilidade do não reconhecimento mútuo no outro. O novo eu parecia uma imagem refletida no espelho, exceto que havia algo de profundamente mal encaixado em si, algo que nem mesmo minhas contradições admitiriam. Então, mais uma vez, eu soube.

Este outro eu havia sucumbido à incontinência urinária noturna que o perseguiu até a adolescência, à ilusão de que sofrera abusos de algum modo por parte de algum familiar e à insensibildade emocional. Ao passar por mim, tive a visão de sua vida, que se resumia ao modus operandi de sua obsessão. Encontrava pessoas em praticamente qualquer lugar, hora e situação, sem fazer distinção de sexo, etnia ou classe social; seu único limite era a idade, ignorava crianças. Então fazia o que a voz lhe havia ensinado: com um canivete suíço, extraia-lhes os olhos, que colocava nas palmas de suas mãos e costurava-lhes as pálpebras, orelhas, narinas e bocas, arranjando os cadáveres em posição fetal. Era tão metódico que jamais deixava uma só pista para as autoridades e, a depender do perfil das vítimas, jamais seria apanhado: do ponto de vista dos investigadores não havia um único traço comum ligando as pessoas que ele revelava. Apenas ele e a voz sabiam que havia.

Demonstrou apenas surpresa ao perceber quem eu era (estou certo de que ele, como o cê-dê-efe, tiveram de mim a mesma profunda compreensão que tive deles). Seria loucura dizer que este eu fosse feliz; porém, em toda a minha vida, jamais conheci alguém com tamanho senso de objetivo ou tão bem ajustado à finalidade de sua existência.

“...até hoje não sei como não me caguei todo à sua passagem...”

Ainda cruzei com três outros espectros de mim mesmo, vindos do caminho em frente: um músico, um ocultista e um empresário. Todos me cumprimentaram com a minha mesma reserva efusiva (seja isso o que for); percebi que eram todos profundamente frustrados em suas ambições, pelo simples fato de tê-las levado a sério. Sinceramente, nada senti por eles; o melhor que posso dizer é que eram exatamente o que eu já quis ser, e que isso simplesmente não valia a pena.

Aquela procissão de alter egos estava me cansando, sem dizer o quanto me assustava; olhei para trás, procurando o caminho de volta. Nada. Quando me voltei para a encruzilhada, vi o caixão bem no meio.

Sorri tristemente, me aproximando sem medo. Naquele pequeno caixão estava o corpo de uma criança de 13 anos, o único que havia ignorado aquela misteriosa presença no alto do prédio onde subi (melhor dizendo, subimos), planejando um suicídio que a curiosidade incutida pela presença invisível evitou; a mesma presença que apenas um de todos nós não só ainda sentia, mas costumava ouvir...

Subitamente, o ar me faltou e o mundo começou a girar.

Sobre o caixão havia um minúsculo e palpitante embrião humano, de poucas semanas de vida. O embrião que absorveu um outro embrião no útero da mãe.

“Eu disse um outro embrião? Aquela era, foi, teria sido a minha irmã gêmea...”




Minutos ou séculos depois, não sei como estava em frente a minha casa, a chave do portão na mão, nos ouvidos a balbúrdia de sempre da vizinhança; a pouca distância, um cachorro e uma menininha suja de terra me olhavam como se eu tivesse acabado de brotar do chão.

Entrei e, no quarto escuro e empoeirado, liguei o computador e comecei a escrever. E nunca mais parei.


Desde que li o conto “El otro”, n’ “El Libro de Arena” de Jorge Luis Borges tive vontade de escrever uma história de Doppelgänger; apenas me veio à cabeça uma encruzilhada. Depois de ignorada por mais de dois meses, eis que sem aviso essa idéia tornou-se o que acabaram de ler, numa tarde morta e ressecada como asas de iguanas.

1 de set. de 2007

Teoria de conspiração n° 132, ou
No túnel do tempo

  • Multiplicação de estados da “Federação” (talvez querendo acompanhar o ritmo dos municípios), numa aparente volta ao sistema de Capitanias Hereditárias;
  • Entrega do patrimônio nacional a grupos estrangeiros (em troca do abatimento das “dívidas externas e internas”);
  • Transformação do país em latifúndio produtor de cana-de-açúcar* (aproveitando o pretexto do aquecimento “global” e do fim do ciclo de extração petrolífera);
  • Estabelecimento de um posto de multiplicação de capital privado via especulação financeira, além da “lavagem” de grande parte do dinheiro ilegal em “circulação” no mundo (do consumo);
  • Esfacelamento da (pouca) soberania nacional com acordos unilaterais como a ALCA e promessas de assento no conselho “de segurança” da ONU e no Grupo dos 8 (maiores países exploradores do trabalho humano e da Natureza devastada);
  • Ensaios pífios de golpe de Estado via grande mídia e “movimentos populares” de minoria (se estendendo à Internet inclusive);
  • Desmonte da fraca rede de segurança social, direitos trabalhistas e de serviços públicos, em favor das mais desonestas e ineficientes corporações “prestadoras de serviços” internacionais;
  • Lavagem cerebral em todos os meios de comunicação e áreas de ensino (com o surgimento de “formadores de opinião” como moscas!) através de slogans e palavras de ordem como globalização, competitividade, flexibilização de leis, mercado, responsabilidade social e fiscal, inclusão digital e/ou no consumo, modernidade, emprego, pró-atividade, etc;
  • Insinuações (ameaças veladas) de intervenção internacional (a propósito de qualquer crise inventada no país)...

Agora só falta um gringo qualquer desembarcar por aqui e declarar “descoberto” o Brasil.

De novo...*

Evangelho segundo um Amnésico

Tomo primeiro: Do Inferno

I-O Inferno é repetição.

I-O Inferno é repetição.

I-O Inferno é repetição.

I-O Inferno é repetição.

I-O Inferno é repetição.

I-O Inferno é repetição.

I-O Inferno é repetição.

I-O Inferno é repetição.

I-O Inferno é repetição.

I-O Inferno é repetição.

I-O Inferno é repetição.

I-O Inferno é repetição.

I-O Inferno é repetição.

I-O Inferno é repetição.

I-O Inferno é repetição.

I-O Inferno é repetição.

I-O Inferno é repetição.

I-O Inferno é repetição.

I-O Inferno é repetição.

I-O Inferno é repetição.

I-O Inferno é repetição.

I-O Inferno é repetição.

I-O Inferno é repetição.

I-O Inferno é repetição.

I-O Inferno é repetição.

I-O Inferno é repetição.


Finda o segundo capítulo.

19 de ago. de 2007

Eu tenho a força! ©He-Man

Já há dez dias este blog foi indicado pelo Lanark ao prêmio "Power of Schmooze", que visa incentivar o bom relacionamento entre blogueiros, uma iniciativa simpática que eu não sei bem se cabe para um blog que nasceu com uma tendência a ser meio cult, não por ser algo especial, mas pelo reduzido número de leitores (bastante qualificados, em compensação)...
Além disso, meu espaço de links para outros blogs de especial interesse está incompleto há muito tempo: tenho mais de vinte nos "favoritos" do Firefox, que não coloquei em minha "mesa de cabeceira" por simples incapacidade de administrar meus interesses e tempo. Ou seja, leio e comento blogs que deixo de recomendar explicitamente, o que também depõe contra o merecimento da indicação, belo exemplo de convivência, não?

Bem, depois deste mea culpa, mea culpa, mea maxima culpa, confiteor Deo omnipotente, as minhas indicações são estas:

Idéias Enroladas - Aventuras do cotidiano, grandes sacadas e muita coisa bonita, simplesmente delicioso de ler;

Luz Vermelha - O olhar ferino e muito bem humorado de uma consultora de moda/sentimental especialista em enxergar o lado mais inusitado dos acontecimentos;

Devaneios & Loucuras - Sensibilidade à flor da pele na poesia vinda diretamente de Pasárgada, um mergulho nas profundezas da alma.

Aí está, espero que a Laura não se incomode por eu também ter indicado "apenas" três blogs. Estou tentando melhorar, juro...!

18 de ago. de 2007

Tá cansado? Vai pescar!

Quase incluí alguma coisa deste ridículo movimento oportunista "Cansei" na minha última postagem, mas pesquisando na net achei isto.

Divirtam-se!

17 de ago. de 2007

A quem possa interessar

“Welcome to the desert of the real.”
(Morpheus, no filme Matrix)



Este é o blog de um subjetivista, como talvez vocês tenham notado. As raras vezes em que saí do reino do devaneio para errar pela vazia realidade foram motivadas apenas por distração, esquecimento ou falta de inspiração de minha parte (e a volta à fantasia sempre foi mágica, com o sabor de novidade dos tempos de criança).

Mas hoje abro uma exceção, pois me sinto triplamente atacado por certa campanha publicitária de um jornal paulistano, que ironiza os blogs. De saída, porque a esmagadora maioria da mídia há tempos tem me enojado, especialmente o jornalismo e a publicidade. E agora por mais uma tentativa grosseira desses cachorrinhos amestrados dos poderes dominantes de impor sua distorcida visão da realidade num meio como a Internet que (e eles já deveriam ter aprendido), não se rende facilmente às manobras de enquadramento interesseiro no sistema podre por eles defendido.

Que não se imagine que eu aprecie qualquer blog que exista, até porque não os conheço todos. Aliás, não fui atraído pela blogosfera desde o seu início justamente por me parecer que esta se tratava de um mero espaço aborrescente (estou muito satisfeito por ter descoberto meu erro, mesmo que tardiamente). Além disso, não sou ingênuo a ponto dar crédito ou considerar relevante tudo que se publica na rede (ou em que mídia seja), e odeio o abominável miguxês com que alguns são rabiscados, características ironizadas na campanha. Mas não sou autoritário a ponto de exigir sua extinção só por isso: minha opinião a respeito deles diz respeito apenas a mim; não tenho intenção de cruzar seus caminhos, se eles não cruzarem o meu.

Se quiserem mais informações, cliquem aqui. Não vou citar os nomes da agência publicitária ou do jornal, nem dar continuidade à polêmica surgida na parte mais politicamente combativa da blogosfera; não quero bancar a carpideira e animar velório de um veículo de inverdades que jamais reconheceu minha existência e nem coveiro, para jogar a pá de cal sobre um bando de apêndices de vendilhões que em sua vaidade se intitulam “criativos” e até inventaram um “mercado” próprio.

O que eu quero é que eles e tudo o que representam desapareça da face da Terra, o quanto antes.

Grato pela atenção.


[editado 18/08 - fotomontagens "respondendo" à campanha do jornaleco:
1 2 3
e, aproveitando meu passeio pelo purgatório...]

Criança (que) Esperança

Esperar que um evento beneficente,
Que almeja dinheiro tão somente,
(De preferência em moeda corrente)
Para deixar a consciência contente;

Em troca de um espetáculo estridente,
Feito por muita nulidade emergente,
Venha tornar abandonados em "gente"...
Há! Que expectativa indigente!

15 de ago. de 2007

Definições pessoais de...

AMOR
Amor é um grupo de asteróides da faixa desses corpos celestes, localizada entre Marte e Júpiter; sua característica mais marcante é a órbita extremamente excêntrica, chegando alguns deles a passar perto do planeta Mercúrio.
O grupo é formado pelos seguintes corpos (com o nome do descobridor e a data do primeiro avistamento):
  • Eros (Witt, 13/01/1898)
  • Alinda (Wolff, 03/01/1918)
  • Ganimedes (Berge, 23/10/1924)
  • Amor (Delporte, 12/03/1932)
  • Apolo (Reinmuth, 24/04/1934)
  • Adônis (Delporte, 12/02/1936)
  • Hermes (Reinmuth, 28/10/1937)

Amor também é Roma ao contrário.

Esbarrei nesta reflexão após ler a postagem de 12/08 no ótimo Domador de Quimeras, blog cuja visita vale cada linha.
Por que o texto do Carlos sugeriu essa bizarrice, nem eu mesmo sei!

MARCADORES
Há tempos devo essa definição aos leitores, já que o significado dos meus não é evidente:
  • outono – Crônicas pessoais, pensamentos soltos, sonhos acordado e diatribes* de um fígado castigado;
  • férias – Minhas “obras artísticas”: ficções, tentativas poéticas, grafismos & outras gracinhas;
  • patinetes – Quando outros autores já disseram o que eu queria, melhor do que eu;
  • símbolos – Reciclando lixo psíquico: números, presságios, manias, superstições, etc; [editado]
  • ? – Postagem fantasma: não me lembro de quando fiz ou o que ia ser; descobri gravada como rascunho ao organizar os marcadores, noite dessas. Fica como um espaço para coisa nenhuma...

*S. f. 1. Crítica acerba; escrito ou discurso violento e injurioso.
Fonte: Dicionário Aurélio - Século XXI

O AMNÉSICO
  • "...depreciado pelos professores, sendo considerado medíocre, preguiçoso, imprestável e sem o menor senso de ridículo."
  • "...fundou sua própria igreja (...), da qual era o único membro, e excomungava todos que discordassem dele."
  • "Era famoso por possuir 12 idênticos ternos cinza de veludo e fazia coleção de guarda-chuvas e cachecóis. Detestava sol."
  • —"Minha alimentação consiste apenas em comida de cor branca (vou poupá-los dos detalhes revoltantes)."
  • —"Antes de escrever uma peça, eu caminho várias vezes à sua volta, acompanhado de mim mesmo."
  • —"Minha expressão é muito séria. Quando eu rio, é sem intenção e eu sempre peço desculpas, muito educadamente."
  • —"Meu médico sempre me aconselhou a fumar (charutos, naturalmente). Ele sempre dizia: —'Fume, meu amigo. Senão, outro fumará em seu lugar'."

Este é o grande inspirador deste blog, o francês Erik Satie.
Me identifico muito com ele...

12 de ago. de 2007

Fim de mundo

Um nada no meio de lugar nenhum, “Califórnia brasileira” (talvez por causa dos terremotos). Aonde vim morar.

É estranho aqui. Já foi uma aldeia branca, o lugar mais ensolarado e quente do mundo, onde ninguém enxergava a cor verde que não existia. Agora são trinta e poucos mil habitantes, mas não se vê gente nas ruas, paira uma condenação sobre o lugar: durante o dia, todos cumprem pena nas usinas de açúcar e álcool e lavouras de cana-de-açúcar ou de laranja; ao entardecer são soltos, e até o comércio fechar, às oito da noite, isso aqui fica parecendo uma cidade normal. Então todos desaparecem, mas não estão nas casas, vendo televisão. Não se sabe como ou porque, talvez devido a uma antiga maldição ou a um raro fenômeno natural, todos os habitantes nascidos na terra se transformam em tatus, que de qualquer forma são raramente vistos (tatu é bicho arisco). Quem não nasceu aqui vira teiú, cobra, coruja ou raposa. Um dia descubro porque.

Isso nos dias de semana. Aos sábados e domingos são liberados da metamorfose para beber até cair ou rezar até enlouquecer (freqüentemente as duas coisas juntas), ouvir sempre as mesmas músicas ruins feitas das mesmas palavras e notas estridentes, se matar em brigas ridículas, escravos do churrasco e da televisão.

O ano todo a areia tenta cobrir a cidade e não consegue, então pede ajuda à cinza que cai do céu durante metade do ano. Um dia a cidade acaba engolida, isso se a lavoura de cana não avançar tomando conta de tudo, junto com os gafanhotos mortos que brotam do chão e que não podem ser varridos: quanto mais se varre, mais eles se multiplicam; então são deixados onde estão, pisados pelos transeuntes que já não são capazes de vê-los e transformando-se lentamente numa pasta verde que se mistura ao asfalto solto das ruas e ao esterco de cavalo nas calçadas. O certo é que a cidadezinha vai desaparecer um dia, e o bosque dos suicidas não vai mais receber ninguém para se enforcar, e os fantasmas vão ter de se mudar para outra cidade; ou talvez vão para as usinas abandonadas disputar lugar com as assombrações de lá, que à noite fazem o canavial gemer de um jeito estranho.

“Cidade Doçura” é o apelido deste lugar amargo, onde os recém falecidos cruzam a cidade em carro de som, anunciando a própria morte e convidando para o enterro. Não, talvez não, talvez eles apenas paguem ao locutor para fazer o anúncio, foi exagero meu. Como é exagero dizer que todas as emissoras de rádio são na verdade uma só, já que todas tocam as mesmas músicas e falam das mesmas coisas, todos os dias, todas as horas, a vida toda.

Mas será exagero dizer que o prefeito foi impedido de concorrer às últimas eleições por causa de dívidas não pagas, à última hora colocou o nome da esposa no lugar do seu nas cédulas e ganhou a eleição? Ou que um candidato a vereador não teve nenhum único voto, nem mesmo o próprio? Ou que todo mundo que vem de fora para trabalhar no açúcar e álcool ou laranja sai daqui pior do que chegou, quando chega a sair? Ou dizer que, vindos da estação rodoviária mais próxima, os raros visitantes só podem chegar até aqui por três ônibus, dois com nome de "Sanatório" e um de "Penitenciária", e que esses nomes descrevem a cidade muito melhor do que seu apelido promocional? Ou que nem cachorros se vêem andando nas ruas? Ou que a água da rua chega fervendo pelos canos? Ou que a linha de trem é um caminho de procissão de fantasmas? Ou que o comércio vive do vento seco, quente e cheio de poeira? Que as pessoas que odeiam os migrantes na verdade odeiam a si mesmas? Que é preciso de autorização (de quem?) para se comprar corda? Que a vida rural não existe mais? Estarei exagerando desde o início?

Será que eu me mudei mesmo pra cá? Ou sou um teiú escondido no mato?

9 de ago. de 2007

Do the right thing


7 de ago. de 2007

Futebol=M.C²

O time para o qual eu costumava torcer estava a dez jogos sem ganhar; uma vitória e agora está a quatro sem perder!

Einstein adoraria este exemplo de Relatividade.

[editado 10/08]

Vasco 2 x 0 Corinthians. Voltamos à normalidade. Ou quase: com um presidente interino ex-palmeirense!

Definitivamente, algo está a apodrecer na Dinamarca...*



*Marcellus, ato I, cena IV
d' A Tragédia de Hamlet, príncipe da Dinamarca, por William Shakespeare.

5 de ago. de 2007

Santa tecnologia, Batman!







Postosco. Sim, eu sei.
Ainda assim, não há nada melhor que vinganças mesquinhas...

3 de ago. de 2007

A garrafa vazia, por William Aytoun (1813 - 1865)

Ah, liberdade! como te assemelhas
A esta grande garrafa sobre a mesa,
Que ontem, de adega estrangeira,
Veio cheia de forte cerveja inglesa!

O toque do aço — a mão — o jorro —
Espoucar que o longe e o perto emparelha —
Uma emoção selvagem — líquido arroubo —
E eu bebi desta cerveja inglesa!

E o que resta? — Uma bilha vazia!
Sem que alegria ou vida nela esteja,
Templo em que deus algum habitaria —
Somente a lembrança da cerveja!


Slainte!*

29 de jul. de 2007

A caixa no alto da torre

O Dr. de Marco coçou a cabeça, arrepiando ainda mais os cabelos sempre em desalinho. Após anos de trabalho árduo e com o apoio dos poucos amigos que acreditavam nele, havia concluído mais esse projeto: a caixa negra estava pronta; faltava agora colocá-la em funcionamento e esperar o resultado. A questão que o preocupava e que fazia sofrer a sua não propriamente farta cabeleira era, na verdade, bastante simples: onde instalá-la?

O velho dilema se apresentava outra vez. O povo da cidade já não o evitava como antes, sua fama como pesquisador havia sido reconhecida nacional e internacionalmente e mesmo o famoso Einstein havia se impressionado com seus resultados sobre os efeitos da colisão de fótons (o que, convenhamos, não era tão grande ajuda assim, haja vista a imagem excêntrica do professor alemão); teria sido muito pior há alguns anos, quando era visto em Araraquara (como no resto do Brasil) como o teria sido um alquimista numa cidadela do séc. XIV. Ainda assim, era um homem estranho demais para aquela gente provinciana; seus estudos eram tão variados e à frente de seu tempo que não raro provocavam espanto mesmo entre os cientistas mais ilustres da época: teorizara a telefonia sem fio antes de Marconi, transmitira energia à distância (diante do perplexo povo da cidade), fora pioneiro nos estudos de parabiose (ligação artificial de um ser vivo sadio a outro doente, para fins terapêuticos, sem que o primeiro viesse a adoecer), participou dos incipientes estudos de produção de energia nuclear realizados no país na década de 40, realizou curas consideradas milagrosas devido à incompreensão dos métodos utilizados (ficou célebre a cura do tumor cerebral do filho do poeta italiano Gabriel D’Annunzio, realizada em tempo recorde e sem intervenção cirúrgica). Sem contar ter sido o primeiro no Brasil a fazer chover por bombardeio químico às nuvens a bordo de avião, processo que quase o leva à morte juntamente com o piloto da RAF que acompanhava, em meio à tempestade criada em certa ocasião, enquanto que um ano mais tarde, por incompreensão do processo, outro piloto inadvertidamente fez cair sobre São Paulo uma chuva de granizo com blocos de gelo de até dois quilos de peso; problemas que, acrescidos com os altos custos do vôo, o levaram a desenvolver foguetes caseiros para realizar o ataque às nuvens. E esta é apenas uma parte dos seus feitos, e de seus defeitos, como o povo os via. Outro era ele ser médico; não se compreendia o que o levava a se aventurar pela pesquisa, e em matérias tão fora da rotina clínica.
Ora, um médico deveria se ocupar das doenças das pessoas, o que segundo o pensamento corrente já seria o bastante para não deixar tempo livre às pesquisas em sua própria área, quanto mais em química, física, biologia e matemática. Daí a desconfiança com que era visto.

O mais estranho disso tudo, porém, era que o homem Frederico de Marco era absolutamente normal. Baixo, barrigudo, adepto dos suspensórios, jogava bocha com os amigos, quando então não se distinguia de qualquer outro cidadão comum. Era, a sua maneira, pessoa bem humorada e de uma generosidade dificilmente compreensível nos dias atuais: recusava terminantemente requerer patente de seus inventos e descobertas (o que certamente o teria livrado da pobreza em que vivia) ou deixar o país por centros de pesquisa mais promissores no estrangeiro, por insistentes que fossem os convites; na verdade, este seria outro motivo de estranhamento para a população de sua cidade natal, conhecida que era, entre tantas outras gentes provincianas, pela facilidade com que fechava as portas a tudo e todos que estivessem fora dos limites das convenções de seu cotidiano de cidade do interior.
Tais eram as preocupações do doutor de Marco até que, apelando para o vigário responsável por um dos pontos mais altos da cidade até então, finalmente pôde instalar o dispositivo captador de raios cósmicos embaixo da cúpula de zinco da torre da velha igreja matriz. O coroinha Ignácio de Loyola, que o ajudou na tarefa, anos mais tarde viria a ser um escritor do gênero conhecido como fantástico; poderia ter iniciado sua carreira naquele mesmo dia, caso soubesse dos eventos que estavam prestes a ocorrer.

Às 03:26h, hora local, a caixa negra registrou uma atividade para a qual não fora projetada: por obra do acaso, sua localização coincidira com um ponto de elevada atividade da ainda mal compreendida força telúrica, o campo de energia sutil que emana da Terra e é responsável pela manutenção da vida em sua superfície. Subindo em espiral pela torre da igreja, a força envolveu o dispositivo de raios cósmicos, intensificando sua ação e criando um verdadeiro funil de alta energia desde as últimas camadas da atmosfera e além, alcançando o cinturão de Van Halen, a barreira natural que protege o planeta da exposição direta às mortíferas radiações vindas do espaço exterior, no exato momento em que uma nuvem de plasma de dimensões inacreditáveis, vindo de encontro a Terra, começava a circundá-la. A concentração de energias cósmicas reagiu com o plasma, recombinando seus elementos livres numa reação em cadeia que teria resultado na maior aurora sub boreal jamais vista na história do planeta, não estivessem as emissões resultantes muito acima do espectro de freqüências da luz visível. A perda do espetáculo cósmico, porém, seria um preço baixo a pagar, considerando-se a alternativa: se a nuvem de plasma tivesse prosseguido, teria destruído completa e instantaneamente o cinturão protetor, expondo a superfície da Terra a níveis de radiação letal que nenhuma forma de vida poderia suportar. O planeta se converteria num cemitério.

O fenômeno de reconversão do plasma durou exato 6, 57 . 10 -3 segundo. E ninguém no mundo jamais soube.

Como não o soube o intrigado Dr. de Marco, ao verificar que sua caixa, sem apresentar nenhuma falha aparente, simplesmente parara de funcionar; recolheu o equipamento com um suspiro cansado, disposto a começar tudo de novo. Essa dificuldade vinha se juntar à incompreensão e falta de apoio habituais, de que se ressentiam tanto suas pesquisas quanto seus desalinhados cabelos.

27 de jul. de 2007

Decifra-me ou devoro-te

“A snidecdriae com fiadcaldie dsilovse a pdasoanilrdee pcnipintamlere a que se iltansa no pnipcírio bcuadnso fzear dlea o iícino e pterime não só nvoa iaicçnãio, que pdoe açalnacr a fcâgarnria da pderaindlasoe, cmoo tmébam lvanater ou ftairlr no eitesntxe a vdia rieudvesnejca, o fgranarte praa foucnanir cmoo rdaedaile iáneprvetretl, que cnoredoa e paerrpa tdoa daçivuãlgo tcéinca com psirãeco sdpuaera, osaocinal, enmeltaer e ceionactul, fncuaoinl.”

25 de jul. de 2007

Aprendendo do jeito mais difícil

Conheço apenas duas maneiras de resolver problemas: a errada
e a incompleta. Mas sou expert em ambas.

Auto-avaliação aforística.

22 de jul. de 2007

Um toque de classe

Ironia do destino: eu, que desde a adolescência detesto novela (antes era apenas uma criança, café com leite, não vale), devo à mais tradicional delas a recuperação de um episódio marcante da minha infância: o dia em que provei caviar!

A cena que motivou esse lampejo do passado é a típica “a classe baixa vai ao paraíso e volta xingando”: a personagem, ex-prostituta tentando aprender a ser chique, prova o quitute da mesma forma e com o mesmo prazer que teria comendo uma porção de areia. Nesse momento eu voltava da cozinha, onde fora acender o cigarro; vendo aquilo, fiz um comentário qualquer sobre a cara de nojo da atriz, então minha mãe dispara:
— “Nunca mais me esqueço da cara que vocês (eu e meus dois irmãos) fizeram quando experimentaram!”
Quase caí sentado no chão! E eu que pensava nunca ter chegado nem perto dessa lenda do consumo! Diante do meu evidente espanto, ela me conta que foi no casamento de um primo com a filha do mais importante advogado de certo estado nordestino (detalhes felizmente esquecidos), gente grã-fina de berço: a cerimônia foi no Morumbi, reduto do baronato paulistano, e durante a comemoração do enlace no soberbo salão de festas de um clube do mesmo bairro, fomos apresentados à famosa “iguaria”.

Imagine-se moleques filhos de proletários, de seus 10 ou 12 anos, segurando uma torradinha do tamanho de uma moeda de um real suja com uma gosma cuja cor o decoro impede de nomear... Assistindo de camarote, minha tia Helena comenta com minha mãe:
— “O que será que eles estão pensando?”
Boa coisa não podia ser, a julgar pelo comentário que deu início a esta narrativa... De qualquer forma, tivemos o bom senso de apenas experimentar aquele troço com a ponta da língua e nada mais, o que motivou outro comentário divertido de minha tia:
— “Olha a cara deles! Vamos ver que solução vão encontrar para a situação!”
Ora, o que se faz quando algo que nos dão para comer é considerado intragável, e se está num ambiente estranho, cercado por adultos mais estranhos ainda (porque convenhamos, comer aquilo...)?
Sutilmente como só crianças sabem fazer, escondemos o caviar atrás das costas voltadas para a parede, e disfarçadamente nos aproximamos de uns grandes vasos com palmeiras ornamentais que havia por ali.
Minha mãe diz que aquelas plantas nunca comeram tanto caviar em suas vidas...

Mas é claro que isso só pode ser especulação dela.

20 de jul. de 2007

A barriga

Conto de V. (1974)

Quando chegou ao décimo-terceiro mês de gravidez, Gertrudes começou a se preocupar. Ela não sabia, mas já era tarde.
Dentro de sua barriga, o feto não era mais feto: era um bebê lindo, mais de três quilos, já abria os olhos azuis e procurava a mãe pelas paredes do útero. Com seis meses de vida, ele tomou consciência de que seu mundo era ali mesmo e jamais encontraria sua mãe. Com um ano de idade, já desenvolvera uma linguagem própria. E falava sua língua com ele mesmo e resolveu dar-se o nome de Vahal.
Vahal crescia forte, alimentando-se do sangue que circulava pelos canos que havia em diversas partes de seu mundo. E não ficou muito surpreso quando viu que um novo ser estava se desenvolvendo ao seu lado. Acompanhou curioso o desenvolvimento da criatura, viu como ela crescia de um dia para o outro e notou que ela ia tomando formas parecidas com as dele.
Depois de nove meses e dez dias de crescimento, a criatura começou a chorar e Vahal entendeu que ela havia nascido. Deu-lhe o nome de Haval, tomou conta dela durante os primeiros meses, zelou pelo seu crescimento sadio e ficou muito contente quando notou que Haval entendia perfeitamente sua linguagem e gostava muito daquele mundo.
Viveram em alegria infantil na barriga de Gertrudes até Vahal completar 15 anos de idade. Foi no dia de seu aniversário que ele declarou seu amor por Haval e ficou muito feliz ao saber que ela também o amava. Casaram-se e decidiram ter muitos filhos. E naquela mesma noite, entregaram-se um ao outro e copularam em paz até o dia raiar.

Quando chegou ao décimo-terceiro mês de gravidez, Haval começou a se preocupar. Ela não sabia, mas já era tarde...

18 de jul. de 2007

Momento Basho

Chove. Nuvem cai
A terra agradecida
Cura nosso ser...

Chove. Cai a nuvem
A mãe terra, agradecida
Cura nosso ser.

[01/09]

16 de jul. de 2007

O olho do mar

Conto de V. (1974)

Caminhava tranqüilo pela praia, quando encontrei um olho.
— Diz-me, olho, onde posso encontrar um barco para pescar em alto mar?
O olho olhou-me curioso e, piscando muito, respondeu:
Não adianta falar comigo, estranho, porque eu não ouço.
Apenas vejo. Mas, se procuras alguma sereia, posso te garantir que aqui não encontrarás nenhuma...
Pensei, pensei, e achei uma solução: escrever na areia da praia; assim o olho saberia o que eu estava procurando. Mas, e se o olho não soubesse ler? De qualquer forma, não custava tentar.
Desenhei as letras bem grandes, calmamente:

UM BARCO, ONDE ENCONTRO UM BARCO?

Claro que, para o olho, não era fácil ler a frase. Tentei pegá-lo com a mão e trazê-lo até em cima, para que ele enxergasse tudo com mais facilidade. Mas — ah, orgulho e vaidade dos olhos! — ele não permitiu. E saiu se arrastando pelos sulcos formados pelas letras. Devagar, com muita dificuldade, começou pela ponta do U e foi percorrendo as letras, uma a uma. O Sol fez uma volta inteira por cima de nós, e quando o olho chegou ao fim da frase, já estava anoitecendo.
Com aquela calma que só os olhos azuis têm, ele olhou para mim e falou:
— Sinceramente, estranho, não sei onde podes encontrar um barco.
Dito isso, fechou-se e foi dormir, serenamente acomodado na curva do ponto de interrogação.


Esse é um dos dois contos enviados para a redação da Editora Três e publicados na revista Planeta, sem endereço de remetente e assinados apenas V.

15 de jul. de 2007

Enquanto a inspiração não vem...

...faço pequenas mudanças no caderno de notas.

Espero que não se assustem!

13 de jul. de 2007

Dia Mundial do Rock




The Court Of The Crimson King (including The Return Of The Fire Witch and The Dance Of The Puppets)


The rusted chains of prison moons
Are shattered by the sun.
I walk a road, horizons change
The tournament's begun.
The Purple Piper plays his tune,
The choir softly sing;
Three lullabies in an ancient tongue,
For the court of the Crimson King.

The Keeper of the city keys
Put shutters on the dreams.
I wait outside the pilgrim's door
With insufficient schemes.
The Black Queen chants
the funeral march,
The cracked brass bells will ring;
To summon back the Fire Witch
To the court of the Crimson King.

The Gardener plants an evergreen
Whilst trampling on a flower.
I chase the wind of a prism ship
To taste the sweet and sour.
The Pattern Juggler lifts his hand;
The orchestra begin.
As slowly turns the grinding wheel
In the court of the Crimson King.

On soft grey mornings widows cry,
The Wise Men share a joke;
I run to grasp divining signs
To satisfy the hoax.
The Yellow Jester does not play
But gently pulls the strings
And smiles as the puppets dance
In the court of the Crimson King.


(McDonald-Sinfield)

12 de jul. de 2007

Primeira e última vez!

Nunca mais bebo com o meu computador! Ele não sabe beber...
Não bastasse a minha ressaca-monstro, ele resolveu entrar em coma alcoólica e me deixar na mão desde terça-feira! Por sorte existem lan houses no fim de mundo.

Conclusão óbvia: bebida e silício não combinam!

8 de jul. de 2007

Coisas das quais não me lembro




Minha penúltima refeição.
Meu último aniversário.
O primeiro quadrinho de “V, de Vingança”.
O primeiro livro que li.
O rosto da minha primeira namorada (mas tenho a impressão que era loura e usava óculos).
O nome da minha professora predileta na primeira série.
O dia em que comecei a fumar.
O dia em que comecei a beber.
Como aprendi yoga e porque parei de praticar.
Onde escondi minha coleção de bolas de gude.
Como conversar com duendes, como enxergar fadas e como “ler” pensamentos.
O prazer de andar sem rumo debaixo de um temporal.
A linguagem dos gatos.
Como é voar nos sonhos.
Como sair do labirinto (quando dou por mim, já estou dentro).
O primeiro beijo.
Minha última esperança.
O nome de muita gente que conheço.
A tabuada de multiplicar do oito.
O que fiz com minha lapiseira de desenho.
A passagem do cometa de [Kohoutek] (dezembro de ’73).
Como eu deixei de ser feliz.
Quando eu comecei a acreditar em felicidade.
Quando nasceu meu fascínio por vampiros.
Como foi que finalmente aprendi a escrever o número “9”.
Umas tantas outras coisas esdrúxulas...

7 de jul. de 2007

Historinha infantil

Era uma vez um menino muito apressado que ia viver uma grande aventura na floresta, mas tropeçou à beira de um barranco, caiu lá em baixo e morreu. Que pena!
Fim.

4 de jul. de 2007

:

Ontem eu fiz uma descoberta surpreendente: em 43 anos de vida, jamais havia visto uma árvore ser derrubada na minha frente.
Como a principal característica do destino é a ironia, à guisa de compensação nesse mesmo dia vi duas tombarem.
Por um qualquer motivo fútil elas foram presas entre cimento, tijolo e asfalto; por outro motivo fútil qualquer foram destruídas.

Eu era feliz e não sabia; se poderei ser de novo, eu também não sei...